Wednesday, January 17, 2018

Mensagem ao Povo Iraniano

 


Não é fácil habitar no Irão. Desde há décadas este país é o local de variados episódios que testaram as fibras da nação e a capacidade de resistência do seu povo. Dos anos trinta até aos anos 70, o País foi joguete nas mãos tanto dos colonizadores britânicos como dos americanos, que viam no território do antigo Império Persa mero local de exploração económica e mais um peão no xadrez geopolítico contra as forças soviéticas, provocando crises, depondo governantes e explorando a belo prazer os recursos naturais, produtivos e culturais do mesmo.

Os anos 70 assistiram a permanentes convulsões políticas e sociais causadas pela corrupção do regime do Xá, cuja má-fé e flagrante servilismo aos grandes poderes mundiais ameaçaram corroer por dentro as fundações e a identidade do País.

Após a Revolução Islâmica e a inequívoca refundação do novo regime na sua vocação religiosa, que no Islão encontrava as bases da manutenção do contacto com o divino, contra todo o tipo de neocolonialismos, sejam soviéticos ou ocidentais, o Irão foi presa das ambições territoriais de potências limítrofes, apoiadas pelos tenebrosos Poderes que ainda hoje estão mandatados a redesenhar o mapa do Médio Oriente a favor do Grande Israel. Uma guerra de agressão infame e de vergonhosa agressão seguiu-se, com a nação desta vez a ter de testemunhar, isolada de qualquer apoio internacional de monta, uma luta armada nas próprias fronteiras e bombardeamentos aéreos às suas principais cidades. Como se não bastassem as dezenas de milhares de vítimas inocentes e indefesas de tais agressões cobardes, o povo teve de recorrer ao sangue martirizado da fina flor da sua juventude e da elite combatente e civil, que por dever patriótico e divino rumou de livre vontade até às zonas de massacre com sorriso nos lábios e cara levantada, pois a sua missão era infinitamente mais elevada do que poderiam conceber as estreitas mentalidades inimigas, que ainda hoje apenas visionam a ação terrestre se direcionada para poder, riqueza e alargamento de território.

Com o desagregar do Império Soviético, os tempos mais recentes significaram para a Nação Iraniana o aumento da pressão Ocidental sobre o único regime com poder e força capazes de contrabalançar as ambições políticas e religiosas dos E.U.A. e do Sionismo. As sanções políticas e económicas que tentam sufocar a médio prazo as instituições e a resiliência das gentes iranianas são mantidas com o intuito de não permitirem uma vida condigna a uma nação cujo único crime foi o de querer perseguir o seu destino, na Terra e no Céu. O isolamento internacional a que o País foi votado, o apoio a elementos sediciosos dentro e fora do seu território, a incitação à fragmentação regional, racial e religiosa do mesmo, a militarização e a ocupação dos seus vizinhos por governos antagonistas, as infames campanhas de ostracismo internacional dedicadas à diabolização do regime e do seu povo, são tudo fatores que testam diariamente os iranianos de todas as estações e condições de vida no intuito de continuarem a perseguir o seu destino de cabeça erguida, em oposição a todos aqueles que lhes pretendem lançar as sementes da dúvida e da sedição.

E é este mesmo povo que, quando não descrito pelos traços embotados da caricatura ocidental, aparece ao observador imparcial como sábio e digno, de postura vertical, orgulhoso da sua história ancestral e recente e que diariamente recorda os mártires que lhes abriram as vias que hoje cimentam o país. Religiosos mas não pios, todos homens e mulheres de família e de valores, inequivocamente orgulhosos e crentes, que recebem de braços abertos os visitantes e que com indisfarçável orgulho mostram os monumentos da sua história, os seus locais de culto e o que o Irão tem de melhor, seja em termos de arquitetura, cultura, ciência, gastronomia, etc. E é este mesmo povo, quando fora do país, que demonstra uma habilidade inata para ocupar cargos cimeiros nas áreas da medicina, cultura e ciência nos países hóspedes e onde sempre constitui esteios de hombridade e de convivência que servem de modelo aos nativos e a outras comunidades estrangeiras. E mesmo depois das tribulações diárias, dos problemas que os afligem a si e aos seus, abrem o seu melhor sorriso e convidam o próximo a sua casa e partilham o que têm, mostrando-se genuinamente preocupados pelo destino do mundo e especialmente com o dos homens, de qualquer credo ou condição, pois um povo com uma visão do mundo profundamente religiosa, como o é o iraniano, não poderia atuar de outro modo.

Com a profunda amizade e dívida de gratidão que nutro para com as gentes iranianas, parece-me meu dever alertá-las para certas angústias que determinadas seções populacionais do país parecem nutrir e que alguns julgam poderem ser satisfeitas se o Irão redirecionar o seu foco numa ‘ocidentalização’ da sua sociedade, pois insistem que cabe ‘abrir’ o país progressivamente às mesma vias seguidas deste lado do globo.

Primeiro que tudo, cabe mencionar que compreendemos e simpatizamos com todos os iranianos que desejam melhorar as respetivas condições económicas e as das suas famílias, que desejam o fim da corrupção governamental existente ou o fim ao esbanjamento dos bens do erário público. Tais demandas são mais que legítimas e mostram que o governo iraniano terá que lhes dar resposta, seja por uma maior transparência na gestão das contas públicas ou seja, seguindo o exemplo de Ayatollah Khomeini, dando luta sem quartel aos que, alcandorados a posições de poder, abusam da confiança neles depositada esquecendo que possuem uma obrigação sagrada de honestidade para com todos os iranianos. Mesmo descontando a paranoia dos que, levados pela propaganda ocidental, afirmam que a sociedade iraniana não têm voz – e a prova contrária foi dada pelas manifestações de rua verificadas e pelos debates acesos levados a cabo pelos deputados da oposição no próprio parlamento nacional – o governo iraniano terá de fazer do combate à má-gestão dos fundos públicos e à corrupção governativa uma das prioridades mais sérias da sua ação política para restaurar a confiança abalada.

Tendo nós como tubo de ensaio o caso do continente europeu nos últimos duzentos anos, parece-nos que sendo alguns destes sentimentos legítimos, quando não corretamente direcionados e integrados num contexto superior de qual é a estrutura de sociedade que se deseja, conduzirão o Irão no mesmo caminho que o Ocidente trilha, e onde definha, nos dias que correm.

Se o desejo de melhorias económicas passa por instituir o comércio e o lucro como os valores mais elevados pelos quais os homens estabelecem relações entre si, sem a integração apropriada da religião e de uma conceção espiritual do ser humano e da sociedade, não será exagerado prever, especialmente no advento da globalização, que o Irão se tornará em poucas décadas - no máximo - outro local do mundo em que o protótipo do homem-negociante tomará as rédeas da sociedade, seja ascendendo às posições de liderança da política, economia, educação e cultura, seja comprando os nominativos líderes ou o seu próprio acesso ao poder. Não será de estranhar ver estabelecido dentro das suas fronteiras um sistema de exploração económica em que os destinos das massas humanas passarão a estar dependentes dos caprichos de uns poucos seres que apenas têm na ambição e na ganância os seus guias de conduta de vida. Os próprios políticos serão homens do mesmo cariz, e apesar de publicamente afirmarem estarem ao serviço do povo e de Deus, com poderosas palavras e discursos, em privado servirão os seus verdadeiros guias – o metal e a ambição. Não será de estranhar se os detentores do capital passarem a não ter pejo algum em expandir os lucros a qualquer custo, mesmo que tal implique a deslocalização do trabalho para outras regiões ou países, com pretextos prontamente justificados pela nova classe educadora e cultural, que afirmará que os mais recentes abstracionismos teóricos economicistas conduzirão por certo a sociedade a êxtases coletivos ainda por vir e que os avisos de antanho - como os dos profetas que alertaram que qualquer teoria ou doutrina sem Deus tão-só esconde as ambições mais negras dos homens caídos - já não mais se aplicam e devem ser evitadas. Não será de estranhar que os salários e as poupanças destinados a alimentar as vossas crianças passem a estar prisioneiros das especulações financeiras de grandes grupos internacionais, que no Irão verão não um povo único, dotado de personalidade divina, mas um mero pedaço de terra onde se agrupam corpos humanos que para eles não possuem mais dignidade que um mero centro de despesas e de lucros, uma estatística ou um erro de cálculo, ínfima roda dentada na superestrutura financeira mundial cujo centro é Nova Iorque e que esconde a sua real face tenebrosa por detrás de sociedades anónimas e offshore. E se estes afirmam quererem ver os iranianos vestidos, alimentados e entretidos, tal não se funda na preocupação pelo verdadeiro bem-estar material, moral e espiritual da comunidade, mas apenas para poderem continuar a explorar os seus recursos e as suas gentes. Não será de estranhar que a ambição, a inveja e a cobiça entre irmãos e vizinhos, hoje ainda envergonhadas, comecem a assomar cada vez mais descaradamente, até um dia se afirmarem em toda a sua prepotência entre os vossos filhos e a enfeitar despudoradamente as ações e as feições da maioria de vós, que não mais saberão que por elas estão dominados e são controlados. Não será de estranhar se as vossas cidades, hoje ainda adornadas por vestígios tradicionais e por lembranças do eterno, forem tomadas de assalto por montanhas de aço e ferro, onde massas humanas se amontoarão tanto a trabalhar como a habitar, onde o convívio entre vizinhos já não é ditado pelo afeto e pela cortesia mas pela frieza e desconfiança, onde nos picos do horizonte já não se distinguem torres de mesquitas ou minaretes, pois estas foram submersas pelas antenas e pelos novos monumentos de betão e aço que representam a adoração ao novo senhor do mundo.

Muitos me objetarão que o que se encontra por detrás das atuais reivindicações é um desejo superior ao económico, pois o que os iranianos pretendem é mais liberdade e meios de expressar a sua individualidade sem as restrições e imposições religiosas. Pois permitam que, com a experiência de viver num país e num continente que erigiu tais desideratos a estandartes máximos de governação e de mundividência, avisar que tais intenções, enquanto na primeira geração ainda tomam um caráter tímido, não encontrarão nas seguintes os mesmos freios que a atual dá por adquiridos, porque já não os viverão ou, pior, nem conhecerão. Não se pode esquecer que a liberdade que é usada num contexto sóbrio e tradicional, por seres que reconhecem um Criador e que têm consciência da sua dívida de gratidão para com os antepassados e os que hão-de vir, não será do mesmo tipo que a praticada por seres que deixam de ver nela um meio mas um fim, que desconhecem que ela deve ser uma consequência e nunca um dado de facto. Os que virão já não mais saberão que o homem verdadeiramente livre é o que se cumpre interiormente e que se rege pelos mais estritos códigos, sejam estes externos e internos. Eles só conhecerão a liberdade exterior e mais superficial, a liberdade mesquinha, que é a liberdade que por todos pode ser usada da mesma forma, a liberdade das massas informes, que serve para justificar as ações e as ambições individuais e coletivas do momento. Esta não é a liberdade como realização, mas a liberdade que se torna valor em si e aprisiona o homem em correntes invisíveis e, portanto, ainda mais difíceis de romper que as de um tirano. É a liberdade de dizer e de fazer o que se julga apetecer no momento sem referência a algo superior, é a liberdade da ação vazia e perdida, dos que tomam todas as suas ações, pensamentos e reações como legítimos e dignos de serem escutados e respeitados pela mesma bitola que as do homem sábio ou do religioso. É esta liberdade que dá o megafone há muito ambicionado pela rebeldia interior do homem e que o justifica no que este tem de mais medíocre e vil.

Por experiência própria sabemos que a longo prazo a liberdade, quando não coartada e limitada por valores de ordem superior, degenera no caos individual e social, num anarquismo mais próximo de uma colónia de bichos do que de um agrupamento de seres soberanos e conscientes da sua missão na Terra. Será esta a liberdade dos que docilmente aceitam como chefe qualquer tirano que proporcione livre curso ao prazer dos instintos, mas que violentamente se rebelam contra um soberano divino. A liberdade será a desculpa para dar vasão aos humores e desejos mais inconfessáveis e rasteiros dos homens e das mulheres, seja na sua relação consigo seja na sua relação com o próximo. E quando tais instintos já não encontram no Estado um inimigo declarado que relembra aos seus cidadãos a missão de a eles dar combate, tal combate encontrar-se-á limitado ao seio familiar ou de restritos grupos humanos, apenas serão seguidos por alguns seres, que a médio prazo se tornarão numa exceção e serão olhados de lado por uma sociedade que os despreza. O cúmulo da perversidade é que esta liberdade vai-se apresentar sob vestes de imparcialidade - laica, independente – afirmando não querer impor aos seus novos súbditos qualquer ‘moralidade’ e sob esse pretexto combaterá sem quartel os que cumprem o seu dever de afirmar valores absolutos.

Tal resultará na imposição de uma nova ordem onde impera apenas uma ‘moralidade’: a própria de seres amorfos e vazios, desconhecedores da respetiva natureza divina, pois é por esta classe de homens caídos que mais facilmente é imposta a nova ética global diabólica que rapidamente se expande pelos quatro cantos do mundo, e da qual o Irão ainda se encontra imune, em muitos aspetos. Esta verdadeira colonização será realizada sob roupagens de slogans apelativos para as massas, onde palavras encantadas, quais cantos de sereia, hipnotizarão os indivíduos. Mas não nos enganemos! Este é um novo regime de ocupação, e com objetivos muitos mais pérfidos que qualquer exército inimigo, pois não pretende apenas a espoliação material dos iranianos, mas algo muito mais nefasto e irreversível - a espoliação espiritual. Este ‘exército’ é o mesmo que nesta altura já subjugou vastos territórios humanos e que se insinua não pela via militar, mas pela subjugação mental do homem por via de conceitos abstratos que o colocam em guerra contra si mesmo; é um poder sempre estrangeiro onde quer que se estabeleça, pois despreza tudo o que é viril, elevado e se direciona para cima, pois só assim pode estabelecer as bases de dominação do seu espírito congénito.

Cremos que o Irão se encontra numa altura crítica para a sua história. Acreditamos que as tensões que se estabeleceram dentro do país – principalmente nos seus habitantes, mais do que as causadas pelos inimigos exteriores declarados – darão azo a breve trecho a consequências que não podem ser senão as mais distintas. Se a tensão se resolver pela quebra da vontade coletiva de continuar a contrariar e a dar combate aos elementos egoístas e subversivos individuais e coletivos da nação, de deixar de lutar e de passar sacrifícios em defesa do atual Regime Teocrático Iraniano – objetiva e realisticamente, a única alternativa séria no território à contenção da subversão – de deixar de fazer do contacto com o divino a razão de ser do Governo e a base da estruturação da sociedade e das condutas individuais, por mais ou menos ténues que tais sejam hoje em dia, mais brevemente do que muitos esperam virá o dia em que as forças diabólicas que ainda não tomaram totalmente de assalto este país não mais encontrarão um muro de defesa para aí exercerem total controlo sobre as mentes e as vontades dos seus cidadãos.

Por experiência própria falamos das desgraças que facilmente – e no fundo, muito provavelmente – se abaterão sobre este país. Pelas nossas próprias fraquezas e pelas dos nossos antepassados, a maioria mascaradas de boas-intenções – mas que no fundo nunca deixaram de ser fraquezas! - convidámos a sentar à nossa mesa inimigos mais ou menos dissimulados, pensando sempre que os dominaríamos, que os conseguiríamos conter, que não se demorariam e que não nos afetariam irremediavelmente; que saberíamos utilizar para nosso proveito e para a melhoria das nossas condições de via. A prova é que o inimigo mais pernicioso não é o que abertamente declara guerra e faz cara de mau, mas precisamente o do tipo mais calculista, que se faz de bem-vindo e promete não abusar – é o inimigo que sorri!

Que o povo iraniano saiba que tem sobre ele os olhares de uns poucos no mundo ocidental que o admiram verdadeiramente, que por ele nutrem um grande respeito e veneração e, admitimos sem pudor, mesmo inveja. Dada o presente clima de crise que paira sobre o Irão, não podemos como não nos reconhecer nos iranianos e aliarmo-nos ao seu atual modo de governo, vendo nele algo nobre e uma das poucas luzes de esperança que brilham num mundo cada vez mais mergulhado no abismo, e que se hoje é considerado radical e negativo, tal só o é por defeito do mundo e do tipo de homem hoje predominante, e nunca do Irão. Que os iranianos não se deixem enganar pela grande maioria dos que hoje, afirmando-se seus aliados, no fundo apenas nutrem desprezo e nojo pela vossa vocação coletiva. Nos tempos que correm, há que escolher os lados. Hoje e sempre, orgulhosamente nos afirmamos do lado do Povo Iraniano e do Ayatollah Khamenei.

2 comments:

  1. como já disse. excelente. tudo o que é preciso ser dito sobre o assunto e sobretudo para aqueles que são muito espertos mas depois não vêem o óbvio ululante.

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  2. Excelente artigo, com o qual concordo quase inteiramente! Partilho o mesmo sentimento de admiracao pelo povo iraniano, pela sua tradicao e mundividencia. Partilho igualmente o receio perante a sua quase ingenuidade face as pretensas qualidades do mundo ocidental.

    Estou curioso para ver o que o futuro reserva, receando no entanto uma completa destruicao da civilizacao persa sob o jugo do mundo ocidental.

    Abracos varsovianos!

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