Wednesday, August 2, 2017

Da Nobreza

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Que na Europa e um pouco por todo o Mundo se vive um período de decadência e dissolução é por demais evidente para todos aqueles que têm olhos de ver.

A estas nuvens negras assombradoras sempre houve forças que se opuseram. Se ainda há alguns séculos, e em alguns casos décadas, o combate ainda se fazia no seio da sociedade, na academia, no setor económico, político e inclusive no campo militar, cabe hoje reconhecer, especialmente no mundo ocidental, a derrota das forças reacionárias, já que os tentáculos progressistas podem reclamar uma vitória quase total, pelo que a sua mundivisão reina incontestada, tendo tomado de assalto todas as instituições públicas.

O homem de bem, de forma consciente e inconsciente, sentindo-se instintivamente repelido pela nova ordem negra, faz por reagir: ora ainda tenta criar forças políticas (cada vez mais pequenas e de diminuta expressão), movimentos culturais, associações mais ou menos nostálgicas, debate de ideias dentro do seu círculo próprio e, aqui e ali, atos violentos de caráter desesperado.

Reconhecendo o mérito de todo o tipo de reações contra o tal “estado das coisas”, parece-me que, descontando as pírricas pequenas vitórias que ainda acontecem, todos estes atos têm-se revelado ineficazes face à crescente avalanche de ondas maléficas, pelo que podemos considerar tais atitudes no fundo infrutíferas no grande esquema da situação atual.

Não sendo o acima descrito surpreendente para todo aquele que olha a presente situação com distância e discernimento, cabe-me apontar uma crescente lacuna na chamada atividade de “contra-ataque”, e que parece esquecido ser a mais importante: a nobreza.

Na Europa - e em todas as antigas sociedades ditas tradicionais – sempre houve uma classe “social” que incorporava em si valores sob os quais todas as outras classes e estruturas comunitárias se submetiam. Não querendo entrar aqui em discussões profundas sobre a relação da nobreza com a igreja, cabe reconhecer que aquela, no geral, sempre ocupou, nem que fosse só pela primazia que possuía em termos de força militar, o lugar de topo na sociedade antiga, que exerceu sempre em nome próprio ou por submissão voluntária ao mandato religioso.

Se a nobreza, principalmente desde o período da chamada Baixa Idade Média, esteve essencialmente ligada ao acima referido poder militar e ao domínio de largas porções de terra, como função social externa, cabe reconhecer que ela era e sempre foi – mesmo não o sabendo – a depositária de um conjunto de valores e códigos que superavam em muito tais funções seculares.

Tendo origem imemorial e divina (o seu estabelecimento está consagrado em todos os textos sagrados indo-europeus), a nobreza, especialmente na era pré-cristã, era reconhecida como a depositária dos valores de origem supranatural representantes da elevada espiritualidade que atravessava todas as verdadeiras civilizações do mundo, reflexo terrestre da herança primordial hiperbórea.

E se nos tempos mais recentes, esta “classe” (melhor diríamos - ordem) se secularizou em todo o mundo, passando a estar somente ligada a funções militares e à possessão de terras, a sua importância, como depositária espiritual desse legado primordial, esteve no fundo ligada à sua função de ponte entre o elemento terrestre e o elemento sobrenatural, que é a razão primeira da sua existência em todas as sociedades tradicionais, da América ao Japão.

Esta função natural, fruto da dignidade própria de seres portadores deste legado supra-pessoal, era reconhecida pelos restantes elementos da sociedade, que livremente se submetiam a esta estirpe superior, que simbolizavam o elemento divino ao qual todas as estruturas sociais, atividades, atos e comportamentos se subordinavam e que tinha no seu vértice a figura do Rei, portador máximo desta dignidade, o mais nobre dos nobres.

Aos nossos contemporâneos é quase impossível entender (incapacitados que estão pela historiografia moderna de vertente historicista, secular e materialista) a verdadeira natureza deste organismo piramidal, comum a toda a antiga humanidade que se regia por princípios imemoriais de alta espiritualidade, que não era mantida nem pela força militar ou pela violência (e muito menos por superestruturas de opressão económica, como são de grosso modo as sociedades contemporâneas), mas pelo facto de aquelas se orientarem pelo elemento divino e portanto reconhecerem uma classe de seres que possuíam em si essa componente divina – a nobreza, os únicos homens livres.

Olhando agora para o mundo moderno, parece então fútil perder tempo e entrar em discussões estéreis sobre possíveis alternativas políticas, modelos económicos, análises sociológicas, interpretações “geopolíticas”, ações militares, etc., sem fazer referência ao que causou verdadeiramente a derrocada em que nos encontramos e todas as confusões atuais: o desaparecimento de uma estirpe humana que servia de farol ao resto das massas humanas, que pela sua condição funcionava como reflexo da luz divina e mantinham, mais por estas qualidades que por meras ações externas, presentes no campo terrestre elementos desta solaridade primordial que moldava o organismo social e as ações dos homens submetidos a elas, refreando o elemento demónico que sempre anseia por espalhar o caos por entre as brechas abertas.

Acima de tudo, o apelo que tem de ser feito é aquele que relembra a todos os homens que sentem dentro de si o chamamento para reconectar o seu ser com esse elemento solar, já que, não havendo hoje instituições iniciáticas que permitam a sua ativação, tal só se poderá fazer por um ato de vontade individual de atingir o absoluto.

Esta estirpe de seres nada tem a ver com as “nobrezas” modernas, que no seu esclerosismo mais não são que relíquias vegetativas de um passado que também não compreendem e cuja ligação é feita somente pelo brasão ou apelido, já que o espírito há muito o perderam, pelo que, sem ação interna, continuarão a ser meros espantalhos a caminho da extinção final.
  

O verdadeiro nobre do futuro será aquele que, como os nobres da antiguidade, não se revê no fluxo da matéria; aquele que se conhece como sujeito e não objeto; que desdenha as massas; que se mantém sempre digno, centro de si próprio; que não é “atuado” mas que atua; soberano da sua mente e demais sentidos; que não é influenciado e também não se incomoda; o que age em função do bem e justo, porque tal é a sua natureza; aquele que possui e que nunca é possuído; que não se rege por códigos externos nem porque teme o pecado; o que sabe que a manutenção da ordem e justiça depende da sua conduta externa e interna; que se mantém vertical e para qual a mentira é tão grave como o mais abjeto crime; aquele para quem a experiência religiosa será sempre uma afirmação da sua vontade e identificação desta com o ato, que se manifesta na sua constante atualização.

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